38 semanas e 3 dias
- Mico
- 22 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Exactamente o mesmo tempo que estiveste dentro da mama.
Quando marquei o dia de hoje no meu calendário, estava num lugar muito escuro.
Um lugar onde tu, o cansaço e a solidão eram as minhas maiores companhias.
Foi um marcar de esperança.
Uma esperança que diz “é tudo novo, Micaela. É uma fase. Vai melhorar.”
Estava num lugar tão escuro, tão triste, tão difícil e que hoje, passado 38 semanas e 3 dias, parece tão longe. Parece que foi em uma outra vida.
O puerpério foi o maior pesadelo pelo qual passei e está, na minha memória quase tão longe quanto aquele verão de 2004. Tenho flashes da gravidez. Pontuais.
De vez em quando ainda sinto uma ou outra dor que sentia quando estavas a ocupar todo o espaço dentro de mim e lembro-me do que era... mas a maioria já passou.
Se tivesse que te explicar o que é o puerpério, hoje já não conseguiria verbalizar.
Não te conseguiria explicar, de forma a que entendesses tudo o que passamos quando nele estamos.
Só quem o vive o consegue entender e é por isso que existe a associação supersecreta das mães.
Uma associação onde ninguém precisa de se explicar porque todas se entendem, mas onde todo mundo deixa falar porque todas precisam desabafar.
Escrevi, há umas semanas atrás numa crónica sobre a quarentena “[O puerpério é] Onde já não há horas, a rotina é uma coisa inexistente, tudo é feito em esforço e nada fica bem feito.
O puerpério, para quem não sabe são aqueles 30, 60, 9000 dias após o parto em que nada faz sentido.
Não há horas para comer, não há horas para dormir, não há horas para pôr as máquinas a lavar, não há horas para tomar banho e, se for preciso, ficamos 2 dias sem lavar os dentes, 5 dias a comer a mesma sopa enquanto nos caem as lágrimas cara abaixo porque nos apetece um cheeseburger mas não se pode comer lacticínios durante a amamentação e, ocasionalmente, 15 dias sem lavar o cabelo.
Uma coisa que acontece quinzenalmente pode ser considerada ocasional, ou não?
O puerpério é aquela fase em que uma pessoa aquece o prato 4 vezes no micro-ondas e continua a comer sozinha à mesa e gelado, bebe café às 12:38 depois de ter acordado às 6:40 mas ter se esquecido 6 vezes de carregar no botão da Nespresso, tenta fazer a cama às 21:30 só-mesmo-para-dar-um-jeito-antes-de-me-deitar, passa o dia de fato de treino e coque no topo da cabeça.”
Mais é tão mais do que isso.
Pensei que passado quase 9 meses, fossemos estar noutro lugar.
Pensei que eu já estaria no lugar.
Mas sabes? Não me interessa.
Não me interessa porque nos teus olhos eu sou a pessoa mais maravilhosa-fantástica-espectacular do mundo e a minha barriga de 4 meses, a minha celulite, o meu cabelo despenteado, os meus braços flácidos até as minhas olheiras são todos motivo de brincadeira.
Nos teus olhos só há amor.
Mesmo quando eu ralho.
Mesmo quando não tenho paciência.
Mesmo quando não me apetece mais ser mãe.
Pelo menos por 5 minutos. Não quero ser mãe de ninguém.
Mesmo quando me escondo atrás do sofá para tu não me veres.
Mesmo quando estou contigo e com o telefone.
Mesmo quando te dou sopa descongelada a correr no microondas.
Mesmo quando te visto o último body, apertadíssimo porque não temos mais nada disponível.
Mesmo quando adormeço e cais da cama.
Mesmo quando te limpo o nariz.
Mesmo quando me esqueço de te trocar a fralda.
Mesmo assim, nos teus olhos só há amor.
Toda tu, és feita de amor.
Fiiiilha, com aquele sotaque que o teu pai tenta sempre imitar, obrigada.
Obrigada.
Obrigada por há 38 semanas e 3 dias me veres como uma pessoa melhor.
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