Obrigada Quarentena
- Mico
- 31 de mai. de 2020
- 4 min de leitura
Para a última edição desta newsletter decidimos todos, partilhar um bocado do que tinha sido a nossa experiência do confinamento.
Entender o que precisava ficar e o que realmente precisávamos deixar ir. Fazer o balanço de tudo.
Queríamos falar do que aprendemos sobre nós e sobre o mundo, os mecanismos que usamos para lidar com o stress, com o isolamento, a solidão, a ausência, a ansiedade, a saudade e todos os outros sentimentos com os quais tivemos que lidar neste período.

Eu, em particular, queria falar de naturopatia; partilhar um bocado deste mundo, como o uso de óleos essenciais me acalmaram, como curaram as minhas dores nas costas e amenizaram as minha tendinites nos braços, fruto do teclado e do colo que dei, como eles melhoraram a minha imunidade…
Queria falar da crise de ansiedade que tive logo no 2º dia de confinamento e precisei tomar florais de hora a hora e como, dali para frente, eles passaram a andar na minha carteira, apesar de não ter para onde ir.
Queria vos falar dos alimentos que me acalmaram durante essa fase, de como cozinhar foi-me terapêutico, de como a #PaoDemia alegrou os meus dias e me trouxe momentos de surpresa deliciosos. Nunca pensei que fazer pão, uma coisa tão simples, poderia melhorar tanto a minha autoestima.
Queria explicar-vos como comer batata doce, espinafres, bananas, pipocas, ovos, abacates, cogumelos, gengibre é importante para que consigamos manter os níveis de stress controlados.
Como tomar shots de gengibre com gotas de limão e curcuma fizeram uma diferença na vida da minha família.
Queria que vos dizer que este confinamento fez-me realizar algo violento para a mulher e mãe que sou, algo que me custou verbalizar, mas que quando verbalizei, foi libertador. Vou dizer para vocês, quem sabe se liberem também: cuidar da minha filha 24 horas por dia, não me preenche.
Não tem a ver com gostar ou não gostar.
Não tem a ver com saber ou não saber, ter paciência ou não, ter preguiça ou não, ter jeito ou não, ter vontade ou não.
Simplesmente tenho muito mais na minha vida para realizar do que “só” a minha filha. “Só” porque “só” cuidar de filhos, não é, nem nunca será só.
É punk.
A rotina consome-nos: acorda, muda fralda, come, brinca, dorme, acorda, muda a fralda, come, brinca, dorme, acorda, muda fralda, come, brinca, toma banho, veste o pijama, cama, mama, dorme.
- Acordou.
- Vai tu. - Acordou outra vez.
- Agora é tua vez.
- Acordou.
- Vais?
- Não posso estou a fazer o jantar.
- Acordou
- Tá na hora de mamar.
E t-o-d-o-s os dias são iguais. Todos os dias se repetem.
E estamos entre calls.
E estamos entre brincadeiras.
E estamos entre refeições.
E estamos entre emails.
E estamos entre pano do pó, vassouras e esfregonas.
Estamos entre tudo e a nossa atenção plena é inexistente.
Que merda é essa de mindfulness?
Atenção plena?
Não existe mais.
Abrimos a janela e cuspimos o mindfulness para fora das nossas casas.
Fomos tudo para toda a gente e ao mesmo tempo.
Pai, mãe, educadora, mulher, amiga, filha, auxiliar de limpeza, gestora, redactora, professora, cozinheira, motorista, enfermeira, psicóloga, psiquiatra, conselheira, coach, às vezes tivemos até tivemos que fazer o papel dos avós e não ver.
Não li todos aqueles livros que eu achei que fosse ler, não meditei 2 vezes por dia, sequer devo ter dormido 7 horas por noite, não apanhei todo o sol que eu achei que iria apanhar, nem andei todas as manhãs, não fiz nenhum do exercício que achei que fosse fazer, nem assisti a um único directo de treinos ou zumba ou aeróbico.
Na verdade não assisti a nenhum directo. De todo.
Mas nós coordenamos o caos.
E, quando eu achei que o confinamento tinha sido a coisa mais insana pela qual eu tinha passado na minha vida inteira, eis que 2020 segue louco e me leva uma das minhas melhores amigas. A Juliana era a pessoa mais bem-disposta, mais de bem com a vida, mais feliz que eu conheci.
Não houve um dia com ela, que eu não tivesse chorado de rir.
Nos braços dela, o Rio de Janeiro acolheu-me e sem ela, a minha experiência não teria sido tão boa.
Ah… como essa notícia me deixou sem chão.
Mas ah, como ela me fez praticar a gratidão por tudo o que tínhamos vivido.
E, quando eu achei que o confinamento e a perda da minha amiga, tão nova, tinham sido as coisas mais insanas pela qual eu tinha passado, eis que 2020 seguiu confiante na sua loucura e me fez fazer um parto.
Um parto.
Vou repetir: eu assisti a um parto. Na minha casa, na minha sala, ali no chão.
O confinamento foi louco?
Ah se foi.
Mas o confinamento preparou-me para isto, e sou grata.
Porque em tempos áureos de imediatismo e instantaneidade, às primeiras contracções da Elga, eu teria ligado o carro, posto todo mundo lá dentro e avançado com quatro piscas para a maternidade ou teria ligado para meia dúzia de vizinhos e todo mundo teria entrado aqui em casa para ajudar e/ou fazer confusão.
Mas com o confinamento, não.
Com o confinamento, já nenhuma saída de casa é inocente.
Com o confinamento, máscaras e luvas estão à mão.
Com o confinamento, a ajuda é à distância.
Com o confinamento, tivemos que aprender a ser auto-suficientes; a reconhecer as nossas forças e as nossas fraquezas.
Eu aprendi a gerir o caos.
Aprendi que posso meditar enquanto amamento e ouvir o último podcast sobre inteligência emocional e assertividade no banho.
Aprendi que sou capaz de coordenar o incoordenável.
É possível dar de comer enquanto se faz uma call.
É possível escrever mentalmente um Manual de Comunicação enquanto se varre uma casa e se estende 2 máquinas de roupa.
É possível fazer o passeio matinal da miúda e deixar o almoço no forno sem necessariamente queimar.
Se é isso que eu quero viver, sempre?
Não.
Definitivamente não.

Mas o confinamento tornou-me melhor.
Mais serena, mais assertiva.
Ensino-me a nomear os meus sentimentos, com palavras exactas e concretas.
No confinamento tornei-me mais conectada, mais ligada, usei centenas de vezes aplicativos que nem sequer conhecia, e, ao mesmo tempo, mais terra-a-terra.
O confinamento apresentou-me e fez-me aceitar a minha essência.
Ele tornou a minha família mais unida, o meu namorado mais participativo na educação.
O confinamento fez até aquela amiga que não gosta de beijos, querer abraçar.
O confinamento fez-me fazer um parto natural, sem epidural, sem ajuda de médicos, de enfermeiros, sem máscaras, sem bisturi.
Nada para além de uma tremenda humanidade.
Curou, em muito, a minha cesariana.
E por isso, confinamento, eu serei-te eternamente grata.
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